sábado, 10 de novembro de 2012

A peste dos animais


 Um mal horrível, que a ira celeste inventou para punir os crimes da terra, a peste, fazia mil estragos entre os animais. Nem todos morriam, mas todos, lânguidos, entorpecidos, seja de pavor, seja por efeito da moléstia, arrastavam-se moribundos. Em tanta calamidade só valem grandes remédios. O leão convocou assembleia geral dos seus súditos, e assim falou: “Prestantes e amados vassalos, vós que o flagelo de Deus açoita, ouvi-me, e dai-me o auxílio de vossas luzes; nunca tão necessário nos foi, a nós todos, um bom conselho. Não é natural essa epizootia que nos vai devastando; cada dia morremos aos milhares; é por certo o castigo que algum crime de nossa raça está merecendo; cumpre pois aplacar a ira celeste. Lembrei-me a princípio de decretar um jejum de alguns dias; porém jejuando andamos todos pelo abatimento que a moléstia causa. Então ocorreu-me a ideia de fazermos aqui todos uma confissão geral, para descobrir-me qual o miserável cujo pecado nos trouxe semelhante desastre.” O parecer do rei foi por todos aprovado. O leão prosseguiu: “Não quero, nem para mim, injusto favor; se for o criminoso, com muita satisfação morrerei pelo meu povo; confesso pois que às vezes, em horas de fome, não respeitei bastante a vida do veado, da vitela, da ovelha, e nem mesmo a do pastor. Se julgais que são esses os crimes que o céu está punindo, dizei-o francamente, gostoso me imolarei ao bem de todos.”  O javali, o tigre e outros muitos que tais, em coro aplaudiram: “Vossa Majestade está zombando! crimes tais que praticou nem pecadinhos veniais são. Comeu às vezes veados, ovelhas, pastores! Ora, que honra morrer e ser devorado para satisfazer a fome de meu rei !. Continuou a confissão geral, nas ações dos mais ferozes brutos nada achou a assembleia que dizer; não houve crueza que todos à porfia não justificassem. Chega a vez do burro: “Senhores, disse ele, por mais que procure despertar minha consciência, a ver se me lembra algum crime que praticasse, nenhum me ocorre; somente um dia estando com muita fome, passei por um prado, propriedade de um convento. A erva estava tenra, orvalhada, apetitosa; ninguém me via; tudo me incitava; passando pois, não pude resistir à tentação, e apanhei na boca um pouco de erva que mais, a jeito achei...” — "Malvado! bradaram juntos todos os tigres e javalis da assembleia; roubar a erva de um campo pertencente a convento! Sacrilégio! E por causa desse miserável todos estamos pagando!"  Subitamente o pobre burro é imolado à divina justiça.

MORALIDADE: Para o poderoso, qualquer que seja seu crime, nunca falta indulgência; o pobre ou fraco, ou burro, nem que viva como santo, pode livrar-se; lá tem seu descuido, e esse não tem desculpa.

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